O vídeo que você acaba de ver é uma emulação feita no aplicativo Deep Nostalgia da empresa My Heritage, plataforma que oferece serviços para reconstituição da história da família através de registros históricos, testes de DNA, restauração de imagens antigas, entre outras soluções.
Ao realizar o upload de uma foto no Deep Nostalgia, a tecnologia de reconstituição de vídeo do aplicativo consegue animar o rosto da imagem estática conferindo movimentos à cabeça e expressões nos olhos e na boca. Esses simples movimentos podem levar à percepção de que estamos assistindo um video realista daquela pessoa. No vídeo acima, por exemplo, está meu pai (falecido em 2004), no auge dos seus 23 anos, na festa de aniversário da minha mãe (exatamente no dia em que se conheceram).
Os fãs de Harry Potter vão lembrar do Espelho de Ojesed 😉
Desde o seu lançamento, os usuários do Deep Nostalgia estão usando o app para emular diversos tipos de vídeos, seja com fotos de parentes falecidos ou que não conheceram pessoalmente, com fotos da sua infância, com fotos e/ou pinturas de celebridades e figuras históricas (vivas ou mortas), entre outros usos e apropriações.
Para testar o Deep Nostalgia, clique aqui.
Reflexões sobre tecnologias digitais e presença social
A busca pelo preenchimento das lacunas deixadas pela ausência de uma pessoa, seja devido a morte ou algum tipo distanciamento, não é algo novo na história humana. Das lápides, esculturas, pinturas rupestres, pinturas em tela, ilustrações, fotografias, vídeos, às tecnologias digitais contemporâneas, como os perfis em redes sociais digitais, chatbots, voicebots e holografias (em alguns casos integradas com técnicas de Inteligência Artificial e Deep Learning), podemos enxergar diferentes tentativas de (re)construir e registrar rastros sociais que podem ser acessados (e experienciados) por outros.
O que parece ser um diferencial quando falamos das tecnologias contemporâneas é justamente o seu potencial de engendrar não apenas uma experiência de acesso a um rastro ou da emulação da presença em um lugar/ambiente, mas também como uma forma de experienciar a presença social (enquanto compartilhamento de uma determinada situação social com o outro seguida da possibilidade da interação).
Ao me deparar com o Deep Nostalgia, me veio em mente outras tentativas de “ressuscitar” pessoas, como os shows holográficos com cantores mortos, a atuação de atores mortos inseridos digitalmente em filmes e até mesmo o caso de jovem russo que morreu em um acidente e foi “transmutado” em um chatbot por seus amigos. Também lembrei imediatamente do polêmico episódio “Be Right Back” da série Black Mirror, no qual a esposa utiliza um serviço para trazer seu esposo falecido à vida a partir do uso de diferentes tipos de registros e tecnologias disponíveis.
Contudo, não vou entrar em questões éticas ou judiciais aqui neste post. Quero compartilhar com vocês algumas questões que surgiram ao lembrar destes exemplos e ao utilizar o Deep Nostalgia para rever meu pai:
Como essas tecnologias podem afetar em sentimentos como o luto? Como lidaremos com a perda? Sentiremos perda? Como essas tecnologias podem engendrar novas formas de lembrar ou de interagir com aqueles que morreram?
Algumas pessoas podem argumentar e dizer: “Ah, mas não é a mesma coisa,” “Não é a pessoa, é apenas uma simulação,” “Essas versões digitais não possuem uma alma ou uma consciência,” etc.
O que me intriga não é necessariamente compreender se em um futuro próximo poderemos ser ressuscitados ou imortalizados digitalmente (ou mesmo fisicamente em corpos sintéticos), mas me intriga a percepção do outro. Como o outro lidará com estas versões de mim e como o acesso e a interação com estas versões poderão mudar a própria percepção sobre a existência (ou o fim dela).