O caso recente envolvendo a influenciadora digital Gabriela Pugliesi, que realizou uma festa em sua casa neste sábado (25) em meio a quarentena causada pela pandemia do novo Coronavírus (COVID-19), traz uma série de questões à tona: ética x influência social; responsabilidade social das marcas; privilégios da branquitude, entre outras.

Para este texto, decidi olhar este caso através de um recorte: a coerência expressiva em contextos colapsados.

Coerência Expressiva

Para falar um pouco sobre a “Coerência Expressiva“, farei um breve resgate dos seguintes conceitos: o de Projeto reflexivo do eu (Self), proposta por Antony Giddens (2002), e o de Fachada, proposta por Erving Goffman (1959).

No livro Modernidade e Identidade (2002), Giddens aponta que a auto-identidade seria um projeto reflexivo do eu continuamente elaborado pelos indivíduos. Este projeto reflexivo está imbricado com as escolhas e as ações que realizamos ao longo das nossas vidas. Sendo assim, uma vez que determinadas escolhas são feitas, os indivíduos se sentiriam, de certo modo, obrigados a manter uma narrativa coerente sobre si para sustentar estas escolhas.

Como diz o próprio Giddens “não temos escolha a não ser escolher” (GIDDENS, 2002, p.79).

Polivanov (2019) consegue sintetizar bem a ideia de autorreflexão na modernidade tardia proposta por Giddens neste trecho:

Trata-se, portanto, de uma espécie de antítese: uma liberdade, ainda que envolta em uma dimensão da compulsoriedade. Ademais, coloca-se, desse modo, grande ênfase na responsabilidade individual: somos nós quem construímos nossas narrativas de vida, os resultados de nossas escolhas são consequência de nossas próprias atitudes. Assim, retomamos a dimensão de projeto mencionada acima, aliada à ideia de autorreflexividade, que no âmbito da vida cotidiana dos indivíduos, diz respeito a termos de fazer escolhas e refletir sobre elas, na busca por atingir do melhor modo possível nossos objetivos. Neste processo, o autor evoca a noção que ele vai chamar de “autoidentidade”, que remete à ideia de um “projeto reflexivo do eu”” (POLIVANOV, 2019, p.109).

Já Goffman, na obra A Representação do Eu na Vida Cotidiana (1959), apresenta o conceito de “Fachada“, o qual define como um equipamento expressivo de tipo padronizado intencional ou inconscientemente empregado pelo indivíduo durante suas representações. Uma Fachada pode incluir aspectos como vestuário, gênero, idade, atitudes, linguagens, expressões faciais e corporais, papéis sociais, entre outros. A Fachada poder ser dividida em cenário, aparência e maneiras dos indivíduo e tais elementos compõem a apresentação de si para outros e, consequentemente, as expectativas que serão criadas com base nessas representações.

Contextos Colapsados

Para falar sobre os contextos colapsados, tomaremos como base alguns conceitos desenvolvidos por Danah Boyd. Para a socióloga, o atual cenário de uso crescente e intensivo de tecnologias digitais em rede, cria o que ela denomina de Públicos em Rede (Networked Publics) – aqui a palavra “Público” faz referência tanto aos espaços públicos (esferas públicas), quanto ao potencial de audiência (público enquanto pessoas).

Em seu livro, It’s Complicated (2014), Boyd aponta que um contexto colapsa quando um indivíduo é obrigado a lidar simultaneamente com contextos sociais que não estão relacionados entre si, ou seja, que estão enraizados em normas sociais diferentes. Para exemplificar, ela cita como algumas pessoas podem achar estranho ao ver um ex-professor do ensino médio bebendo com seus amigos em um bar. Para Boyd, os contextos colapsados ocorrem com mais frequência em sociedades configuradas e organizadas em Networked Publics.

Coerência Expressiva em Contextos Colapsados

Partindo dos conceitos acima, podemos discutir com mais clareza o tópico deste post. Casos como este da Gabriela Pugliesi, entre outros envolvendo os chamados “influenciadores digitais”, reiteram um ponto em comum: a complexidade de sustentar a coerência expressiva em um cenário de contextos colapsados.

Ao expor a festa que fez em sua casa, em um contexto que seria, em tese, privado, Gabriela Pugliesi:

  • Colapsa seu contexto social ao expor sua festa para audiências que não compartilham do mesmo contexto.
  • Apresenta uma imagem incoerente com as expectativas de parte da sociedade que está respeitando e seguindo as medidas de segurança e a quarentena no combate a disseminação do COVID-19;
  • Também é incoerente com a própria imagem que busca sustentar continuamente em suas performances, enquanto influenciadora atrelada a temas de saúde e bem-estar;
  • Descredibiliza as narrativas sustentadas pelas marcas as quais representa em seus canais digitais, ferindo, também, os interesses comerciais destas marcas.

Entre algumas das consequências observáveis da incoerência expressiva da Pugliesi e do contexto colapsado da sua festa, temos o número de pessoas que estão demonstrando repúdio em relação ao ocorrido, marcas que estão rescindindo contratos com a influenciadora e até mesmo a tentativa da própria Pugliesi de salvar sua Fachada através de um pedido de desculpas:

Casos como estes trazem à tona uma discussão recorrente sobre a autenticidade nas apresentações de si.

Não entrarei nesta discussão aqui no post e, inclusive, não acho que devemos pautar os comportamentos humanos em um prisma dicotômico orientado por autêntico x falso.

Contudo, como pontuou Giddens, não temos escolha a não ser escolher. No caso da Gabriela Pugliesi, independente se sua representação nos meios digitais é autêntica ou falsa, a influenciadora fez escolhas e agora caberá a ela arcar com as consequências.

  1. A história da Gabriela nos mostra que a influência social pode ter alguma proporcionalidade com a responsabilidade que o papel de “Influencer” outorga às possíveis reflexividades que organizam as diretrizes da vida social.
    De certo modo, na mesma velocidade que a boiada tende a seguir os ditames da “moda-do-momento”, a opinião pública – que fundamenta o estandarte outorgado a estas figuras – se organiza pra regular o que dentro deste Universo simbólico é adequado ou não. Nos encontramos diante de um um cenário em que as forças invisíveis da linguagem ( expressa por letras e por ações ) regula a relação entre ética – entendido aqui como comportamento de um indivíduo que se comporta diante de uma decisão perante um enredo – e opinião pública – entendido grosseiramente como uma figura que representa a configuração da avaliação “geral” daqueles que compõem este universo em um determinado momento. Me parece que nesta equação estamos diante de um debate sobre MORAL.
    Diante de nós há milhares de praças públicas com atores-personagens e platéias.
    Tristes influenciadores, como avatares ou ratos de laboratório, mal sabiam que o seu poder emanava do povo.

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