Interações lúdicas através de jogos mediados por Tecnologias Digitais no contexto da pandemia
Como as pessoas estão fazendo a manutenção das interações lúdicas através de jogos no contexto da Pandemia (COVID-19)? Como as TIC (Tecnologias da Informação e da Comunicação) estão sendo usadas e apropriadas nestas experiências?
Segundo o historiador e linguista holandês, Johan Huizinga (1872-1945), a palavra lúdico, do Latim Ludus, abrange termos como jogos, jogar, divertimento, brincadeiras e brincar. Ao participar de atividades lúdicas, aprendemos e compartilhamos aspectos sociais, cognitivos e emocionais importantes para o nosso autoconhecimento, para o conhecimento dos outros e para o aprendizado de valores, normas e rituais em uma determinada cultura e em um determinado contexto socio-histórico.
No livro Homo Ludens (1938), Huizinga apresenta um conceito importante em sua abordagem sobre atividades lúdicas – o de Círculo Mágico. Grosso modo, o historiador aponta que, ao participar de um jogo, uma brincadeira ou outra atividade lúdica, o indivíduo adentra no Círculo Mágico o qual proporciona uma experiência significativa que difere e está “protegida” das lógicas que operam na realidade cotidiana (repleta de problemas, aflições e incertezas). Ao sair deste Círculo, o indivíduo leva consigo os significados e aprendizados adquiridos nesta experiência. Vale pontuar aqui que muitos pesquisadores contemporâneos buscam atualizar este conceito de Círculo Mágico, inclusive compreendendo como algo menos dicotômico e tendo fronteiras cada vez mais borradas com a vida cotidiana.
Ainda segundo Huizinga, os jogos são atividades lúdicas importantes e antigas na história da humanidade. Eles podem ser compreendidos como atividades lúdicas voluntárias, exercidas em determinados limites de espaço e tempo segundo regras livremente consentidas, contudo obrigatórias, acompanhadas de um sentimento de tensão, de alegria e de uma consciência de ser diferente da vida cotidiana (caráter fictício).
Contexto da Pandemia (COVID-19) e a busca por Jogos
Durante a Pandemia de Coronavírus (COVID-19), a OMS (Organização Mundial da Saúde), o Ministério da Saúde (no Brasil) e outras instituições de Saúde Pública reiteram o isolamento físico (por meio da quarentena) como método para desacelerar a disseminação do novo Coronavírus. Neste contexto, como consequência, nota-se o crescimento de buscas no Google por termos como jogos eletrônicos, jogos online, jogos de tabuleiro/cartas, entre outros, nos meses de março, abril e maio de 2020.
Exemplos (buscas na web nos últimos 5 anos no Brasil):
Paralelamente, veículos de imprensa, produtores de conteúdo e influenciadores digitais também passaram a incluir em suas pautas notícias, dados e curadorias com dicas, listas e sugestões de jogos (eletrônicos, online ou mesmo físicos) para quem está em casa buscando formas de entretenimento.
As empresas e desenvolvedoras de jogos também passaram a divulgar mais ativamente ofertas com descontos e jogos gratuitos para suprir esta demanda e ampliar sua visibilidade no mercado. Isso fica visível em números, como: o aumento de 75% de usuários online em videogames (clique aqui) e o aumento de 30% no download de jogos no celular (clique aqui) durante a Pandemia.
Ainda sobre download de apps no celular, em maio de 2020, segundo dados do Sensor Tower, os apps de jogos são protagonistas entre os apps pagos e os apps com maior faturamento. veja abaixo:
Exemplos de Interações Lúdicas em Jogos no Contexto COVID-19
Entre março a maio de 2020, mapeamos exemplos de usos e apropriações de jogos (ex.: eletrônicos, online, tabuleiros/cartas etc.) durante as quarentenas. Este mapeamento inicial nos permitiu identificar algumas práticas, como:
- (a) Adaptações e ajustes nos jogos e nas formas de jogar para lidar com restrições da quarentena;
- (b) Surgimento de jogos meta-temáticos;
- (c) Usos de Plataformas Digitais (Mídias Sociais, Apps de Mensagens e Videioconferência) para a manutenção da Presença Social e das Interações Síncronas durante os jogos;
- (d) Apropriações criativas dos jogos;
- (e) Consumo de Jogos para fins terapêuticos.
Adaptações/Ajustes nos Jogos e nas formas de Jogar
Pokémon Go!
O Pokémon Go! foi lançado, originalmente, com a premissa de usar as cidades como “tabuleiros/mapas” do jogo. Através do uso de recursos de Realidade Aumentada, os jogadores utilizam a câmera do seu celular para visualizar os Pokémon em locais específicos da cidade e, desta forma, capturá-los e participar de batalhas.
Diante do contexto de isolamento da Pandemia, a Niantic (desenvolvedora do jogo) fez adaptações no game para permitir que seus jogadores possam ter acesso a elementos do jogo (ex.: ítens e personagens) e possam participar das batalhas sem ter que sair de suas casas. Saiba mais.
Jogo de Casa – Futebol e Pandemia
As atividades esportivas, em geral, também foram afetadas com as medidas de isolamento físico e as quarentenas. Diante deste cenário, jogadores profissionais de futebol de diversos países, como Itália, Espanha, EUA e também no Brasil, estão participando e transmitindo (via Lives) partidas mediadas por jogos eletrônicos, como é o caso do FIFA 20.
Nos EUA, por exemplo, os jogadores de futebol participaram de partidas confrontando profissionais de eSports do país. No Brasil, por sua vez, está em curso o campeonato Futebol de Casa – uma disputa entre jogadores profissionais dos principais clubes do país – Saiba mais
Jogando Tabuleiros/Cartas: Lives e Videoconferências
No caso dos jogos de tabuleiro/cartas, que demandam, em geral, a interações em co-presença física, também identificamos práticas que buscam lidar, de diferentes formas, com o contexto de isolamento físico.
Nos exemplos abaixo, mapeamos casos nos quais os jogadores utilizaram aparatos eletrônicos (ex.: câmeras, smartphones etc.) e plataformas digitais (ex.: Instagram, Discord, Zoom, Hangouts, WhatsApp etc.) para transmitir e garantir as interações durante a partida.
Nestes casos, identificamos a construção de acordos entre os jogadores para adaptar/ajustar o jogo ou a forma de jogar diante dos aparatos e ambientes digitais utilizados. Por exemplo: (a) um ou mais jogadores adotando o papel de broadcaster – transmitindo o tabuleiro/cartas para os demais; (b) jogadores usando chat e/ou vídeo para a manutenção das interações ao longo do jogo; e (c) a adaptação de dinâmicas do jogo (ex.: tempo de jogo, tempo de turno, interações entre jogadores etc.) para os formatos de interação/comunicação mediadas (chat; vídeo; ligação etc.).
Jogando Tabuleiros/Cartas: Crescimento da audiência nas Plataformas Digitais
Também vale pontuar o aumento na busca e uso de plataformas que permitem jogar tabuleiro/cartas em versões digitalizadas. Sites como, por exemplo, o Boardgame Arena e o Tabletopia, foram algumas das alternativas buscadas por jogadores que queriam experimentar jogos de tabuleiro/cartas sem a necessidade da co-presença física. As plataformas apresentam sistemas de conversação através de Chats, entretanto, muitos jogadores também utilizaram plataformas de videoconferência como alternativa para ampliar a percepção da Presença Social durante as partidas.
Jogos Meta-temáticos
Também identificamos, neste período de março a maio de 2020, jogos que utilizaram a temática da Pandemia (COVID-19). Alguns com cunho educativo – com o objetivo de ensinar e orientar os jogadores em relação a cuidados e informações sobre o novo coronavírus. Outros usando a temática enquanto uma estética para jogos casuais.
Exemplos de jogos meta-temáticos com cunho educativo:
Coronavírus: Teste seus Conhecimentos
Jogo de Tabuleiro – Coronavírus
Exemplos de outros jogos meta-temáticos:
Jogos e Saúde Mental
Um jogo que ganhou muita popularidade neste contexto da Pandemia (COVID-19) foi o Animal Crossing, lançado para o console Nintendo Switch. O jogo, lançado oficialmente em março deste ano, tem como proposta que o jogador administre uma pequena ilha através de diferentes atividades (construir, plantar, pescar, interagir com outros moradores etc.). Nos EUA, o jogo foi um dos mais vendidos no mês de março, superando, inclusive, favoritos nas vendas como Call of Duty e FIFA. Para os jogadores do Animal Crossing (ver falas abaixo) o jogo se tornou não apenas um espaço para o relaxamento, combatendo a ansiedade, a depressão e outros efeitos da quarentena, mas, também, se tornou um ambiente para a interação social, inclusive, com pessoas próximas (família e amigos). Saiba mais.
Outra iniciativa mapeada foi o Quiz criado pela professora do Centro de Ciências da Saúde da UFRB (Universidade Federal do Recôncavo Baiano), Dóris Rebelo. O Quiz tem como principal objetivo aproximar familiares de pessoas mais idosas que estão em isolamento no período da quarentena, ocupando o tempo por meio de interações lúdicas e atuando como uma forma de manutenção da saúde mental de toda a família. Saiba mais.
Apropriações Criativas nos Jogos
Também identificamos, neste mapeamento inicial, exemplos de apropriações criativas nos jogos diante do contexto da Pandemia. Ou seja, casos nos quais os jogadores realizaram práticas que não foram contempladas originalmente pelo jogo em questão. Entre estes exemplos, dois chamaram bastante a atenção:
O primeiro exemplo ocorreu no MMORPG Final Fantasy XIV. Uma jogadora, vítima do Coronavírus, recebeu um funeral dentro do jogo. A homenagem foi organizada, inicialmente, por amigos próximos da vítima, contudo, o caso ganhou repercussão em fóruns e mídias sociais, engajando outros jogadores do game. Saiba mais.
Outro caso que também chamou a atenção foi no jogo Red Dead Redemption 2. Após alguns problemas de instabilidade com aplicativos de videoconferência, a ilustradora Viviane Schwarz e seus colegas resolveram fazer suas reuniões editoriais em um ambiente dentro do jogo (que se passa em um contexto do Velho-Oeste no fim do século XIX nos Estados Unidos). Segundo Viviane:
“O Zoom é uma droga, então nós começamos a fazer reuniões editoriais em Red Dead Redemption. É legal sentar ao redor da fogueia e discutir projetos, com os lobos uivando à noite“.
Veja abaixo:
Observação:
Este post faz um mapeamento inicial e exploratório de interações lúdicas em jogos mediados por TIC no contexto da Pandemia (COVID-19). Se você possui outros exemplos e quer compartilhar conosco, compartilhe nos comentários.